Uma nova aurora do Metal Português
Hourswill - “Dawn Of The Same Flesh”
Lançamento: 2019
Sonoridade: Progressive Metal, Heavy Metal, Power Metal
Editora: Ethereal Sound Works, ESW.CDA.073
Produção: Fernando Matias
Capa: Pedro Rego (pintura), Diogo Ramos - Estúdio Q (design)
Formato: CD (audição em streaming)
Lista de músicas:
1 - Asherah
2 - Innocence
3 - A Beauty in Bloom
4 - Now That I Feel
5 - Enlightenment
6- Benightedness: part I - The Sightless Poison
7 - Benightedness: part II - Yours is Better Than Mine
8 - Benightedness: part III - Oblivious Coma
9 - I Vow to Hate
10 - Corrupted Soul
11 - We Are the Same Flesh
12 - Hanwi
Não tenho o álbum “Dawn Of The Same Flesh” dos Hourswill em formato físico. Ouvi em streaming, o que limita a audição em hi-fi, que por certo o CD poderia proporcionar. E apenas imagino o que uma edição em vinil com boa prensagem poderia oferecer! Sem essas opções, tentei extrair o melhor possível da conjugação Spotify/computador/vias auditivas centrais/cortéx. A primeira conclusão a que cheguei foi óbvia – andei a perder música bem feita por músicos competentes. O nome Hourswill já tinha passado pela minha visão, mas não tinha explorado a banda com atenção suficiente e, na altura, este álbum ainda não tinha sido editado. Outra evidência é a coragem que a banda teve, porque abrir o álbum com “Asherah” só pode significar audácia. Um tema down-tempo, melódico, com acordes de guitarra acústica, ambientes neo-clássicos e harmonias vocais entre vozes masculina e feminina é tudo menos comum para uma banda de Heavy Metal. Essa faceta dos Hourswill alavanca toda uma obra concetual e tecnicamente evoluída, com criatividade suficiente para tornar as músicas originais ou pelo menos com fatores diferenciadores. Todos temos consciência que ser original na música é quase inantingível, no entanto, há detalhes que nos cativam a atenção pela surpresa que nos causam. Essa sensação pode significar algo de positivo e diferente. Outro aspeto de inegável predominância é a voz de Leonel Silva. Este vocalista, que milita em diversos projetos, tem em “Dawn Of The Same Flesh” uma prestação notável. É o mínimo que posso dizer. Ele canta com técnica, afinação, entoações épicas, transmite emoção e tem um timbre muito caracterísitico de alguns vocalistas da NWOBHM, mas não só. Saltam-me à memória nomes como: Steve Grimmett's Grim Reaper, Eric Wagner dos Trouble, Algy Ward dos Tank, J.D. Kimball (RIP) dos Omen. Acresce a participação de Neide Rodrigues em alguns temas, com a sua voz firme e melódica dá ainda mais dimensão às líricas e a todo o conjunto de forma harmoniosa.
Facilmente me perderia em adjetivações e longas dissertações sobre este trabalho, porque as composições são diversificadas e abrangentes. Há muito por explorar, o que só se consegue com algumas audições, para encontrar os detalhes e as chaves que abrem todo o universo criado nesta estória sobre a humanidade. Mas como não sou nenhum Indiana Jones, limito-me a ouvir, sentir, refletir um pouco e escrever umas humildes linhas. No entanto, é importante referir que a mensagem poétia é positiva. Mesmo que a humanidade seja questionada, sente-se um reerguer, uma nova aurora. É interessante constatar aquilo que pode ser uma tendência para uma estirpe com esperança, para uma raça humana que se confina num abismo. Já o novo álbum dos Gaerea contextualizava essa propensão. Assim como é importante salientar o trabalho instrumental, que é tudo menos fácil de executar e entender. Tem a faculdade de se colar à nossa pele e deixar marca, quase uma tatuagem de diferentes tons e formas. Um baterista que aparentemente é sóbrio, mas que tem a faculdade de nos trocar os neurónios, com todo o manancial de soluções precussivas. A diversidade de acordes que os guitarristas cozinham deixa-nos saciados e ao mesmo tempo ansiosos por escutar de novo para descobrir mais pormenores. O baixista enche toda a base rítmica com uma mancha poderosa de notas salientes e marcantes. Ao procurar atribuir designações de estilo, só me ocorre uma palavra – Música. Claro que a distorção e saturação das guitarras denuncia a influência Heavy Metal. Assim como a construção das músicas é estilisticamente Rock Progressivo, evidenciada pela duração e estrutura, algo complexa. No entanto, seria redutor limitar a caracterização a esses estilos. Os Hourswill inserem pedaços de diversas influências e arriscam caminhos sinuosos para chegarem ao destino, edificando um monumento à música pesada. É de difícil perceção, por isso requer foco e abertura de espírito. A editora Ethereal Sound Works arrisca a designação Adult Oriented Metal, sendo uma apropriação de AOR (Adult Oriented Rock), pode até servir para balizar o espetro de ouvintes da banda. Enfim, para quem gosta de Heavy Metal bem feito e engenhoso, “Dawn Of The Same Flesh” é aconselhável. E é Português.
A produção é consentânea com a sonoridade. O produtor Fernando Martins aplica com agilidade os conhecimentos e técnicas que permitem as músicas ganharem vida própria. Todos os instrumentos brilham, incluindo os convidados com as suas participações jazzy e quase “étnicas”, à falta de melhor termo. Como conclusão resta aplaudir esta criação que nos é apresentada com uma pintura de Pedro Rego na capa. “Dawn Of The Same Flesh” é grande demais para este jardim retangular à beira mar plantado. Gostaria de ouvir um vinil!
Foto: Joana Marçal Carriço
Músicos (da esquerda para a direita):
Nuno Peixoto - Bateria
Pedro Costa - Baixo
Leonel Silva - Voz
Tainan Reis - Guitarras
José Bonito - Guitarras
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