A humanidade no limbo
Gaerea - "Limbo"
Lançamento: 2020
Sonoridade: Black Metal, Post-Black Metal
Editora: Season of Mist, SOM 556D; SOM 556LP
Produção: Miguel Tereso
Capa: pintura de Eliran Kantor
Formato: CD, Vinil 12” 2xLP (audição em streaming)
Lista de músicas:
1 - To Ain
2 - Null
3 - Glare
4 - Conspiranoia
5 - Urge
6 – Mare
Gaerea - a banda do momento ou um momento que marca o futuro? A resposta virá em breve. O certo é que muito se fala dos Gaerea e do lançamento do álbum “Limbo” pela Season Of Mist. E não é de estranhar que isso aconteça, porque todos estamos ansiosos de ver os músicos portugueses a serem reconhecidos internacionalmente. O que tem acontecido cada vez com mais frequência, contrariando algumas opiniões de jornalistas estrangeiros, que se referem a Portugal como um país sem tradição nas sonoridades mais pesadas. O caso dos Gaerea não é único, apenas confirma o que o futuro trará para o Heavy Metal nacional. É por isso mesmo que o “Filhos do Metal” faz todo o sentido. Mas, o melhor mesmo é desfrutar deste álbum “Limbo”, o segundo álbum e o terceiro lançamento da banda.
Portugal é um país com muita luz, sol e cor. Com a brisa fresca do mar, o verde das nossas matas ou o amarelo das nossas searas. Toda esta frescura e brilho são contraditórios com a nossa forma algo sombria de viver a vida e a nossa constante auto comiseração. A religião e os sacrifícios em nome de promessas, o fado com a sua negra compaixão, a eterna saudade dos que partiram, a pesada literatura e poesia. Depois de um período cinzento “de costas voltadas ao mundo”, novas brisas de esperança sopraram, mas décadas passadas voltamos a sentir dor e dúvida. Parece que estamos constantemente num limbo sem saber para onde caminhamos. Por tudo isto “Limbo” é um álbum muito português. Talvez os músicos que o compuseram não se tenham apercebido da naturalidade com que estavam fadados para parir algo deste género. Mas é isso mesmo, uma massa densa atirada contra a parede que espirra pensamentos introspetivos, fantasmas, compaixão, negritude, tristeza, dor, sofreguidão, mas que deixa no ar um aroma a esperança, aquela que a saudade tenta esconder. A velocidade dos blastbeats parece antagónica com o arrastar harmónico das guitarras. O pulsar do baixo agarra uma voz que grita de desespero, ou será que já está rouca de tanto deplorar. O som é “grande” e “cheio”, tal como as produções modernas assim o exigem. Mas isso não impede que se sinta o lamento e ao mesmo tempo o apelo aflitivo. Não estamos perante pureza técnica, a destreza é a suficiente para criar uma obra de arte que cresce e nos afeta com as consequentes audições. Tal como o fado, é o destino de um povo. Refiro a música “Urge” por ser aquela em que se ouvem riffs mais Thrash, no meio da devastação rítmica. Muito questionei quando surgiria uma banda capaz de transmitir a alma Portuguesa através dos sons extremos, ora aqui estão os Gaerea. E logo com um monstro negro, num dos extremos mais assustadores, o Black Metal, ou algo para além do género. Se os nórdicos expiam os seus pecados com o Black Metal cru e primitivo ou com orquestrações grandiosas. Aqui está o Tragic Metal Lusitano, com camadas de densidade catártica.
As comparações com Moonspell são óbvias, embora não no espetro estilístico, mas sim no percurso. Com duas edições em pequenas editoras independentes, mas que foram uma excelente montra, a banda conseguiu despertar a atenção dos média e não só. Os Gaerea estão a percorrer um caminho de crescendo, que os coloca num patamar onde o sucesso já é visível, embora tenham muito que trabalhar e sofrer. Mas é disso que se trata, é preciso saber sofrer (nisso os Portugueses são peritos) e planear (o que tem faltado à maioria). Não é um género de música de fácil digestão, com linhas Pop de rápido consumo, mas podem largar âncora num nicho de mercado que os acolha e dê base de lançamento à descoberta de novos caminhos marítimos.
Foto: “DR”
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