Heavy Metal em Portugal
História
Contexto histórico do Metal em Portugal
A Música é uma linguagem universal. Encerra em si muitas emoções, impulsos, experiências, mensagens e é demonstrativa da habilidade humana. Expressa de forma criativa realidades ou fantasias interiores do compositor. Mas é também fonte de inspiração para muitos. Nesta confluência de aspetos, alguns músicos em Portugal optaram por incorporar as características estilísticas do Heavy Metal, compondo músicas cuja linguagem sonora era mais densa e massiva, com timbres saturados e distorcidos.
Decorria uma época obscura em Portugal entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, quando os sons pesados surgiram no Reino Unido e nos EUA. Com tradições musicais mais ligeiras em termos sonoros, eram raros os grupos que se aventuravam por mares desconhecidos na música popular Portuguesa. No entanto, a poderosa difusão dos sons que vinham de fora chegava ao nosso país e despertava o interesse dos mais afoitos. Alguns começaram a incorporar mais distorção nas guitarras e a aumentar o volume dos amplificadores. De forma lenta foram aparecendo alguns “conjuntos” arrojados a praticar um Rock musculado, muitas vezes tocando versões de bandas estrangeiras da “pesada”. A década de 70 foi um deserto, onde as edições de álbuns e singles de Rock pesado eram verdadeiros oásis, por vezes, limitando-se a canções isoladas com uma sonoridade mais próxima do Metal. Os anos 80 viram dois vulcões entrar em atividade. Primeiro o boom do Rock Português e consequentemente a erupção do Heavy Metal Nacional com o surgimento de muitas bandas de Norte a Sul do país. Apesar desse fluxo de bandas, as edições formais foram escassas. Sem a aceitação clara por parte das editoras a esta nova vaga de grupos de jovens, a iniciativa e a vontade de fazer parte de um movimento falou mais alto. O resultado foi o aparecimento da cena underground do Metal. Bandas, concertos ao vivo, demo-tapes em cassete, fã clubes e fanzines em fotocópias, programas de rádio, nalguns casos em rádios pirata, milhares de flyers, managers, tudo muito imberbe, mas a lava não parou de brotar.
Se durante mais de 20 anos foram raras as edições de álbuns em vinil no género Heavy Metal, tudo mudou nos anos 90. A evolução tecnológica trouxe o CD, um formato que permitiu compactar e aumentar a quantidade de músicas. Com o underground como pano de fundo, houve uma mudança de paradigma com o surgimento de algumas estruturas mais organizadas e semiprofissionais exclusivamente (ou quase) dedicadas ao Metal. Revistas, editoras, managers, agências, estúdios, produtores, fotógrafos, promotores de concertos, jornalistas, enfim toda uma paisagem bem diferente do deserto anterior. Esta realidade, embora espontânea, foi fruto de uma crescente necessidade de responder ao inevitável incremento na quantidade e qualidade dos protagonistas - os músicos, bandas e artistas. Uns incentivaram os outros e o número de álbuns editados disparou, principalmente no formato CD, na segunda metade da década de 90. Sem esquecer o feito, até então considerado quase inalcançável, de assinar contrato por uma editora fora do país, logrado por uma banda Portuguesa. Tínhamos atingido a adolescência do Heavy Metal em Portugal. Como é apanágio dessa condição, muitos erros foram cometidos, mas a irreverência permitiu cimentar o género.
Com a entrada num novo século, tornou-se evidente que tudo seria diferente. Primeiro a tecnologia não parou de evoluir, trazendo novos formatos de audição e divulgação. Depois a quantidade de pessoas interessadas em formar bandas aumentou consideravelmente. Como consequência a qualidade também se elevou. Com novas ferramentas e experiência acumulada, o Heavy Metal em Portugal atingiu um nível considerável de expansão. Na primeira década do século XXI, o país mais ocidental da Europa entrou definitivamente no circuito internacional das digressões das bandas de todo o mundo. Mas o mesmo não aconteceu no sentido inverso. Com algumas raras e louváveis exceções, as bandas portuguesas não conseguiram internacionalizar-se e rodar pelo mundo em espetáculos ao vivo. Esse facto não impediu o contínuo aumento de lançamentos discográficos e o aparecimento de novos projetos. No entanto, com a massificação da internet, a música digital veio derrubar a hegemonia do CD, notou-se algum desconforto pelo decréscimo na venda de fonogramas, muito por culpa dos downloads ilegais, através de diversas plataformas digitais.
Num mundo global e em constante evolução, nada pode ser dado como certo. A segunda década deste século trouxe mais novidades. O consumo de música sofreu uma viragem para a opção digital, através do streaming em muitas plataformas na internet. Também os processos de gravação e produção passaram a ser possíveis em casa, bastando um computador, softwares adequados e pouco mais. Curiosamente nos últimos anos lográmos observar um retorno às edições em vinil, com uma componente especial de colecionismo, para gáudio de muitos fãs. Neste contexto digital e numa conjuntura económica diferente, houve um crescimento exponencial do “mercado metálico” em Portugal. Existem atualmente dezenas de festivais dedicados aos sons mais pesados. Há revistas impressas e online. Há dezenas de concertos internacionais a passarem pelo território nacional. Já é difícil contabilizar as edições discográficas de bandas portuguesas, quer sejam edições de autor ou através de editoras independentes. A qualidade técnica e de produção elevou o som a patamares nunca antes alcançados. Há profissionais na área da Música e do espetáculo que se dedicam quase em exclusivo a atuarem dentro deste género musical. Há mais bandas a conseguirem contratos no estrangeiro, embora ainda seja esta umas das pechas do Metal Nacional. Conseguimos, com a colaboração involuntária, ou não, de todos, atingir a maioridade. Temos uma paisagem metálica bem composta e com força para ir mais além, embora não muito estruturada ou organizada, mas esta é só a minha opinião. Se olharmos para trás e pensarmos nos mais de 40 anos de construção deste movimento, acredito que nos próximos 20 seremos capazes de mais conquistas. Mais bandas a atingiram carreira internacional como profissionais e a granjear sucesso. Mais qualidade na criação e na produção. Mais expansão e divulgação do produto nacional, dentro e fora das nossas fronteiras.
Por fim, mais e mais Filhos do Metal.
Duarte Dionísio
1 de julho de 2020